segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O que querer

Eu quero só as palavras brandas

Que deixem azul o pedaço de céu da minha janela

Eu não quero o temor da vida, a dúvida do dinheiro nem a tristeza de quem não se deu

Eu não quero o vento forte, a ventania espalhando os papéis da minha mesa

Quero antes a calmaria, o mar tranqüilo

Tarde com café e bolo, como antigamente

Quero bom dia no jantar e cama ao entardecer

Flor quando morrer, música ao levantar

Quero abraço e beijo com gosto de chocolate quente – quando não for verão

E gelo no copo – quando o frio não congelar os meus pés

Quero antes a casa com jardim

E depois as férias

Eu não quero pensar dez vezes antes de falar

Não quero ter medo de pensar

Eu quero o verbo, o sujeito e o predicado

Eu quero antes a palavra – e principalmente a alma – aberta.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Silêncios ingratos, injustos, evitáveis


Guardo muitas palavras para mim. Elas ficam aqui, pulando entre a garganta e a boca. De vez em quando quase escapolem sem que eu perceba. Às vezes consigo pegá-las pelo rabo, quando estão pulando língua afora, e as volto para o fundo do fundo, onde penso que devem ficar. Algumas são muito mais ligeiras que meu senso autocrítico e acabam caindo, escorregando pelos meus lábios e soando feito eco nos ouvidos alheios. Outras são tão obedientes que murcham e ficam tão encolhidinhas que chego a sentir dó. Geralmente são as que fariam bem, palavras de amor, carinho, admiração, que ficam tímidas diante de seu objeto e acabam se recolhendo, não sem algum remorso. Pois, creio eu, estas deveriam sair sem medo, sem pensar duas vezes, sem titubear um instantinho que seja, já que o efeito é apenas o bem.

Mas, ai de mim!, aprendi a me calar por pura precaução. Para não falar besteira, para não magoar, para não ser mal compreendida. Quanta balela! Quanta baboseira! Quanta palavra perdida! Quisera eu ser como o vento, que se joga de qualquer jeito sobre qualquer um que se disponha ao ar livre, pronto ou não, para levar baforadas frescas na face! Quisera eu deixar escorrer todas as letras que me vêem ao pensamento, e aquelas que nem passam pela cabeça porque saem direto de onde brota a emoção. Quisera eu não ser tão incompreendida por causa desse silêncio que me toma de susto e fica aqui colocando névoas no meu bem-querer, escondendo entre nuvens os raios luminosos do sol que brilha em mim. Ai, que coisa, querer e não saber falar, pensar e não ter voz que molde tantas idéias, abrir a boca e contentar-se com um suspiro que disfarce a declaração! Ai, ai de mim!

Não, não chego a achar-me incapaz. Tenho pena mesmo é dessas palavrinhas recolhidas nesse espaço tão pequeno de gente que sou eu. E mais pena ainda dos meus interlocutores, que voltam pra casa sem saber quantas palavras poderiam receber – se é que queriam mesmo me ouvir – e ficarão surdos à sinceridade dos meus pensamentos.


Foto: Eu, em silêncio, deixando o que é maior falar por mim. (por Charlene Bicalho)