domingo, 14 de agosto de 2011

As aventuras e desventuras de um Pai chamado Brasil

Este texto foi escrito em 2005, no meu tempo de jornal "Paroquiano". Gosto de reler essas coisinhas antigas, acho umas palavras interessantes e vejo como cresci. :) Fica aí uma lembrança para o dia dos Pais. Que sejam felizes, esses pais maravilhosos!



Pai Brasil acordou às 6:00 com o sol nascendo no horizonte, colorindo lindamente o céu de rosa-alvorecer, jorrando raios de luz nos olhos das crianças que descansavam nas calçadas. Comeu um pedaço de pão dormido, o mesmo que o Diabo amassou, empurrando goela abaixo com um gole de café frio. Sentiu dores pelo corpo, nas juntas, nos músculos fracos dos seus 500 e poucos anos. Apesar da pouca idade, Pai Brasil anda mal das pernas.

Sobre suas sandálias Havaianas, já gastas de tanto andar, Pai Brasil foi trabalhar. Bateu ponto, suou a cara e a camisa velha, parou para almoçar. Pai come arroz e feijão. Quando tem. E guarda um pouquinho na marmita que é pra fazer um agrado para os meninos no fim do dia. Pai- Brasil tem fome, mas sofre mesmo é de ver os filhos chorando sem comida. Às vezes uma doação, uma caridade. Mas Pai está cansado de caridade.

Pai Brasil descansou sobre a grama verde às margens plácidas, o corpo cansado, os olhos tristes, marejados de Atlântico. No silêncio, Pai escuta as sirenes de ambulâncias e camburões, o brado retumbante de mães que perdem os filhos, de filhos que perdem os pais, de pretos que perdem a vida. O povo heróico pede socorro, e se são heróis, quem os vem salvar? Pai escuta o clamor diante de tanta violência, tanta dor, e tenta se lembrar do penhor da igualdade que, dizem, conquistaram com o braço forte. Pai Brasil dorme no seio da liberdade, mas tem medo. Pai Brasil perdeu o direito de ir e vir, e tem hora para voltar a trabalhar.

Pai Brasil cumpre as duras tarefas que lhe dão todos os dias e volta para casa. Amassado dentro de um ônibus lotado, empoleirado entre trabalhadores, estudantes e desempregados. Pai sobe o morro, entra no barraco e vê os meninos brincando no chão de poeira. Sente saudades da Mãe África. Mãe foi rejeitada, mal-tratada, quase esquecida. Falaram pros meninos que Mãe África não existiu, que não era mãe. Não falaram das qualidades, da sabedoria e do poder de Mãe África. Como se Mãe fosse um erro, um pecado. E Pai Brasil ficou sozinho, sem saber o que dizer pros filhos sobre Mãe África ausente. Às vezes, Pai chora escondido, quando os filhos estão dormindo, pensando na tristeza da Mãe África, nas feridas que ela sofreu, na injustiça cometida. Pai Brasil busca pela clava forte da justiça que até hoje não sabe onde está. Pai olha para a cara de cada um de seus filhos e vê a cara da Mãe África, e isso aumenta a saudade. Pai está cansado de ser sozinho.

Depois de dar o resto da marmita para as crianças, Pai Brasil cuida da casa. Tenta lavar as roupas. Mas Pai é homem e não lava a roupa direito, deixa a sujeira pela metade, não limpa tudo. Além disso, o sabão é pouco. E assim Pai Brasil vive com as roupas sujas. E ninguém se dispõe a lavar bem suas roupas. Depois, cuida da plantas, sabe que seu campo tem mais flores. E elas precisam de cuidado. E são muitas as plantações que correm o risco de serem destruídas. Os vizinhos estão de olho. E se Pai não ficar esperto, vão lhe roubar suas flores mais lindas.

Pai Brasil leva os filhos para a cama e se prepara para dormir. Mais um dia se foi na vida de Pai e ele não tem certeza sobre o amanhã. Senta-se olhando o firmamento estrelado, sente-se fraco e desanimado. Pai não suporta ver seus filhos pobres, sem identidade, sem dignidade, sem comida. Pai não suporta ver os filhos chorando de dor e quer que o sofrimento se acabe. Pai Brasil quer ver os filhos em paz, sem brigas e traições, sem roubos, sem mentiras, sem maldade. Ele sabe que será difícil. Mas Pai Brasil sabe que um filho seu não foge à luta, nem teme a morte, e se orgulha de ver os filhos cantando e sorrindo, apesar das dores.

Fertilizando a terra com suas lágrimas oceânicas, Pai Brasil abre os braços ao céu e reza. Pede a Deus, que também é Pai, que lhe dê forças para criar todos os filhos iguais. Gigante por natureza, impávido colosso, Pai é forte, é belo, é adorado. É sábio, e apesar do cansaço, não se desanima. Chorando, Pai Brasil dorme e sonha com o futuro das crianças. No horizonte, o sol do novo mundo. Que Deus não demore a atender aos pedidos do Pai amado Brasil.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Enquanto esperava a tarde, via a felicidade pela janela, chegando devagar com malas pesadas e lenço no pescoço. Sorria de leve, como fazia sempre, sem esforço algum no lábio inferior. Era sempre a alegria. Só que nesses dias havia ainda uma tristeza contida, guardada, que ninguém via. Só os próprios olhos diante do espelho eram capazes de reconhecer uma pequena ruga de lamento. Pequena. Tão pequena que se esquecia dela por quase todo o dia. Só se lembrava quando, inevitavelmente, se esbarrava na mesa da sala. A mesa lembrava. Também a cama, o sofá e a orquídea sobre o móvel branco. Nem sempre que se lembrava se entristecia, mas sempre que se entristecia, se lembrava. Não era nem dor, era um incômodo. Como cisco no olho, parecia que tinha um grão de areia entre o músculo e a veia. Bem no peito. Era areia e incomodava. Não por ter sido ruim, mas por não ter sido mais. Areia fora da praia, fora do lugar, amor fora de hora. Passava a mão na testa, apertava a fronte, sorria leve. E a felicidade perto, a apertar o botão do elevador.