terça-feira, 21 de dezembro de 2010


Meu último domingo no Rio, este ano. Fui à praia da mesma forma como cheguei aqui há quase 6 anos: sozinha. E como tem sido durante todo esse tempo nas batalhas diárias e na guerra sem fim do “salve-se quem puder”, tentando resistir às horas que passam rápidas quando se tem carinho, e às que passam lentas quando se tem ausência, silêncio ou dor. Nunca deixarei de dar crédito àqueles que passaram e os que ainda estão compartilhando tanta coisa, conquistas, alegrias, tristezas, sorrisos e abraços. Muitos, a quem devo agradecer imensamente por tornarem meus dias cariocas um pouco mais leves e suportáveis. E agradáveis.

Mas fiz do meu domingo uma ode à minha solidão, palavra que assusta tanta gente, mas que sabendo tratá-la a pão-de-ló (nossa, que expressão mais antiga!!) pode ser usada a nosso favor. E assim, fui para o mar, que tanto amor transborda em mim, com minhas leituras – as palavras, eternas companheiras – para o meio de tanta gente que não sabe meu nome, não se interessa pela minha vida e mesmo assim, divide o mesmo sol, o mesmo calor e muitos, a mesma solidão. E foi entre letras e mergulhos que agradeci pelas conquistas, aceitei as perdas e lancei ao horizonte encantadoramente lindo os desejos de bem e luz para os próximos dias. Foi entre as conversas e os gritos da praia que fiquei num silêncio profundo, fitando as bolinhas de energia que se agitavam no azul do céu, procurando escutar somente aquilo que me era de fato, necessário.

Por vezes tentava me levantar e seguir andando, mas não havia espaço. Também tentei juntar as coisas e ir embora. Inútil. O dia era de uma beleza que seria inaceitável não ver aquele por de sol. E até que se despedisse a última luz do dia, até que o universo pingasse em mim a última gota de claridade e leveza, não poderia partir. E quando o fiz, foi novamente sozinha, com um presente nas mãos – “já que você lê tanto, tome este livro. Presente!”. Novamente sozinha, até chegar no casulo onde tenho visto minha vida desabrochar, quase fora do meu controle, onde tem surgido uma mulher que às vezes não reconheço e a quem de vez em quando expulso, mas que tem conseguido cada dia mais espaço dentro de mim. E debaixo do chuveiro me despeço do último domingo aqui, da última noite aqui, do último café. Amanhã, não haverá a solidão, nem o silêncio, nem as ausências. Tristezas sim, essas não se desgrudam das solas dos meus sapatos e me acompanham como chiclete grudado no pé. Mas vou pisando torto, desviando-me delas, sendo feliz assim mesmo, “apesar de”. E dormirei amanhã com os meus, os que são eternamente meus, mesmo quando não estão.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Casa de vidro

Subi as escadas, cansada. As malas estavam pesadas e a caminhada até o portão aconteceu debaixo de um sol esquisito, um calor abafado fora de época, que trazia a chuva do fim da tarde. Eu não tinha mais vontade de subir, mas também não ficaria parada diante da casa antiga, caindo aos pedaços. Entrei. Na sala pequena estavam o velho sofá, a TV e o móvel que a avó ganhara no aniversário. A estreita porta que levava à cozinha tinha uma cortina de pano que mais parecia querer esconder os que estavam lá dentro do que enfeitar o pequeno cômodo. Fui até a pia e lavei as mãos com o sabão caseiro, tomei um copo e enchi de água fresca. As crianças corriam para me ver, agarravam minhas pernas e pediam um doce, um presente, uma nova história. Eu não tinha nada para elas. Eu não tinha nada para ninguém.

Sentei de frente para a mãe, como se esperando que ela resolvesse falar algo. Nenhum sinal de vida dentro daquele corpo sereno e calorento. Tinha os olhos um pouco vermelhos e lacrimosos, sabia que eu estava ali depois de tantos anos. Fiquei olhando aquela pessoa tão fraca, tão cheia de cansaço e dor que antes era a força que sustentava toda aquela família. Estava um pedaço de gente, quase um resto de mulher que já vivera tudo que podia e não podia. A pele preta enrugada contava mais histórias que qualquer livro Best-seller dos últimos tempos – histórias de amor, de dor, de brigas, de trabalho, de cidades construídas e destruídas, de lares feitos e desfeitos, de morte, etc. Ali, naqueles caminhos de rugas havia tantas palavras, que já não cabiam mais em sua boca e agora escorriam com o suor febril.

Fiquei algum tempo ali sentada, para descansar da viagem e para aproveitar a presença silenciosa daquela mulher. Entristecia-me vê-la tão calada. Alegrava-me vê-la viva. Mesmo depois de tudo, ainda restava-lhe ânimo para sair da cama às 7 da manhã, sentar-se na sala, caminhar até a varanda, às 3 da tarde e voltar à cama às 6 horas da noite, hora dos anjos, como costumava dizer. Ainda olhava para o pequeno oratório que tinha na cabeceira da cama, com imagens de santos e fotos dos parentes queridos. Olhando as suas fotos, eu sempre me lembrava das fantasias de quando era criança, das festas onde todos cantavam e dançavam, dos doces e das brincadeiras de quintal – quando havia quintal. Tudo virado fumaça com o brincar do tempo em nossos cabelos...

Os outros foram chegando ao longo do dia, e eu ainda me mantive sentada no mesmo lugar. Via o vento soprar um vapor amargo nas árvores do lado de fora, percebia a agitação da rua com o dia de festa. Era quase Natal, de novo, e sentia a leve irritação me invadir ao pensar em presentes, comida e tudo mais. Muito vazio. O homem já não existia, desde que a morte resolvera tomá-lo de nós. Presentes, nunca foram muitos, pela falta de recurso e pelas compras feitas ao longo do ano. Comida, sim, havia bastante, por todos os lados. Havia mais gente do que cabia na casa, e todos pareciam muito felizes com o reencontro. Enfim, a senhora foi colocada, com cuidado ao centro da mesa, como uma rainha num trono de um reino decadente e estúpido que se desfazia a cada passar de estação. Finda a primavera, morriam nossas flores; passado o inverno, desmanchavam-se nossos cobertores; outono levava consigo nossos ventos de esperança; fim de verão e as chuvas cruéis enlameavam as últimas chances de que aquele jardim voltasse a florescer.

Era tarde da noite e todos se recolhiam. Fiquei mais um tempo sentada de frente para a mesa, lembrando do avô, do bisavô, do tio e do pai. Ficaram todas as mulheres, com suas lembranças de traições e saudades, seus filhos mortos e suas mãos machucadas. Ficaram os corações despedaçados ao longo da vida ingrata, que lhes tirou o amor, a beleza, em troca de quase nada. A tia, a mãe, a avó, a bisavó. Estavam agora se despindo, em silêncio, voltando sozinhas para as camas, esperando o relógio soar novamente a hora de abrir o olhos para o nada. No quarto escuro e empoeirado, fechei os olhos depois de ver no teto o desenho daquela solidão. No dia seguinte partiria novamente, com as mesmas malas pesadas, onde eu não trouxe nada, onde eu não levo nada. Partiria com a tristeza nos olhos, depois do abraço enfraquecido, descendo as escadas sob o olhar abandonado dos que ficam por ali. “Até para o ano, se deus quiser” – ainda posso ouvir de longe. Deus queira que quando eu volte, a casa ainda esteja no mesmo lugar.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

No dia dos professores

Este texto foi publicado já há alguns anos, num mês de outubro, em homenagem às crianças e aos professores. Resolvi retomá-lo aqui, pois ainda traduz algo dos meus pensamentos sobre essas duas figuras que tanta mudança causam em nossas vidas. E aproveito o dia para parabenizar e mandar as vibrações de força e coragem para meus colegas de trabalho, esses guerreiros da educação brasileira bastante ingrata! Feliz dia dos professores!!!


Sobre crianças e mestres

Se você me ensinar, eu posso viver com a calma que quiser, ouvindo tudo o que tem a me dizer e parando meu dia para brincar. Posso contar histórias de navios, piratas e crianças que voam pela janela durante a madrugada, antes de você dormir. Posso inventar um castelo debaixo da cortina da sala e lutar contra os dragões que invadiram a cozinha ontem à noite. E só você viu.

Se me ajudar eu vou esquecer todas as tristezas que me aconteceram só para assistir desenho, comendo pipoca e rolando no chão. Vou me esconder dentro do guarda- roupas, se me couber, se é isso que você pede. Vou pintar o nariz de vermelho e mostrar a língua na janela, só pra cair na risada depois. Mas você tem que me ajudar.

Também tem que me ensinar a não falar coisa com coisa, assim como você faz. Usar as palavras sem uma lógica, mas com tanta vontade que acredita estar realmente dizendo alguma coisa. Quero que me ensine a lamber a raspa da panela sujando todos os dedos da mão, lambuzando a cara, a roupa e se olhando no espelho para ver como está engraçado. Quero que me ensine a fazer graça também.

Se você me ensinar, posso viver com a leveza e tranqüilidade que você tem quando dorme. Só há um problema: eu já não tenho a sua idade. Por isso vai ser difícil aprender. Difícil, porque há muito me esqueci da graça que criança vê em tudo; perdi a imaginação mais do que fértil; agora eu tenho senso de ridículo, um calo que só serve pra atrapalhar a vida da gente que é grande; eu tenho uma imagem, um nome, uma posição social, você nem sabe o que é isso. Pois é, mas eu sei e eles, tá vendo os espiões ali? Pois é, eles também sabem. E estão me vigiando. É que eu agora tenho que trabalhar, sair de casa todos os dias e voltar cansado, pra receber num mês o que aqueles espiões ali gastam em um dia. Eu tenho que ser sério, porque me disseram que não se pode rir à toa; tenho que falar baixo, porque disseram que gritar é falta de educação; eu tenho dor nas costas porque me obrigaram a ficar sentado por muito tempo em frente a um computador; eu tenho responsabilidades, porque me chamam cidadão; eu tenho compromissos, porque me deram as chaves de uma casa, de um carro e uma vida de adulto sem ao menos perguntarem se eu queria. Não me deram tempo de pensar. Agora é tarde. Então eu quero que me ensine a ser feliz de novo. Como você.

E assim, espero que mais tarde você encontre alguém que lhe ensine as coisas do mundo sem fazer esquecer de tudo que me ensinou. Um professor que lhe ensine, não ficar sentado olhando para a frente, mas a correr e pular pelos muros da vida, olhando para todos os lados, não deixando nada escapar; um professor que não mande calar a boca, mas que mostre os momentos certos de expor sua opinião; que não fique preso aos livros (nada) didáticos com suas fotos e textos ultrapassados, mas que leve o dia-a-dia para a sala, para ser discutido, criticado, aprendido; que não cobre nas provas as frases decoradas, mas sua capacidade de articular suas próprias idéias. Espero que encontre um professor que deixe você usar toda sua criatividade, que o deixe criar, que use a arte para ilustrar as idas e vindas da história, que não se prenda a números e notas, porque você não é um número. Não se permita ser. Espero que encontre alguém que ensine a usar a espontaneidade ao invés de reprimi-la e principalmente, alguém que acredite na sua capacidade de ser melhor.

Então você crescerá sem pressa, vivendo tudo no tempo certo, sabendo que há alguém a quem possa perguntar “por que”, não temendo a falta de resposta, pois se não lhe explicarem as razões, você mesmo saberá inventá-las, como fazia com as histórias de dragões. Terá mais coragem pra enfrentar os medos, já que pulou tantos e tão altos muros, que não verá nada que possa atrapalhar seu caminho. Saberá usar todos os ensinamentos de acordo com cada situação, sem se prender a fórmulas e respostas prontas. Espero que tenha um verdadeiro mestre, que não lhe diga o que fazer, mas que mostre como achar a solução, como procurá-la. Um mestre capaz de dizer o quão difícil é a vida sem lhe tirar o prazer de vivê-la. Um mestre que seja capaz de aprender com cada pessoa, e que aprenda com as crianças o desejo eterno de conhecer.

Em um país distante, lá pelos lados do Oriente, as crianças quando iam para a escola pela primeira vez recebiam como presente de boas vindas um pedaço de chocolate meio amargo. Muito mais que um agrado aos pequenos feito por seus futuros mestres, o presente simbolizava como seria o processo de aprendizado, que é semelhante à vida: doce, mas nem tanto...

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Primavera

Eu me mudei. Saí levando tudo que podia, deixando muito mais coisa que um dia imaginei deixar. Cobri os móveis, tranquei a porta. Penso nunca mais voltar. Andei e atravessei a rua comprida, cruzei o sinal e vi a avenida central, sinuosa e traiçoeira, me chamando sem ver o fim. Andei e continuo andando. Acabo de jogar as chaves fora. Rasguei o papel com o endereço. Agora penso em deixar essa bolsa por aqui. Ela tem os meus documentos, meus números e minhas imagens registradas em 3 por 4. Coloco a bolsa no chão, abro o e pego um espelho. Deixo o resto e sigo adiante. Olho pelo pequeno vidro e confiro se as lentes estão no lugar. Melhor tirá-las também. Melhor agora é nem enxergar a nitidez do que não o é. Melhor assim, meio embaçado, com cara de sonho em filme de ficção. Jogo o espelho com força e ele se quebra em milhares de pedacinhos que nem ouso contar. Um, dois, três e saio correndo de mim. Explodindo, minha alma se levanta de solavanco, como se um susto a acordasse de repente, assim como a gente acorda atrasado porque não ouviu o despertador. Corro, corro, corro, pra bem longe de tudo que me prendia. Corro mais um pouco e respiro ofegante, sem saber bem onde estou. E é por aqui que devo ficar um pouco, até a chuva parar, até o sol diminuir, até o vento voltar. Vou ficando, ficando, deixando crescer novas raízes e esperando o tempo das novas flores. Nova primavera ao meu redor e novidades no centro de tudo. Não sei onde estou, não sei como cheguei aqui, não sei o caminho de volta, não sei quem está ao meu lado; mas fecho os olhos e me sinto bem. Então fico, até quando precisar correr de novo.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

COMO ESQUECER

Era quase fim de semana, fim de tarde já anoitecendo. Andava meio devagar, talvez por causa das sacolas amarelas que carregava encostadas nas pernas, talvez para evitar que os sapatos novos machucassem mais os pés. Estava muito cansada e já contava os passos entre a esquina seguinte e a porta de casa, a porta do banheiro e o pequeno espaço debaixo do chuveiro. Andava assim, meio trôpega, bêbada de tanto pensar nos últimos dias, nem tristes, nem ensolarados; andava pensando em como mudar alguma coisa e deixar que a mudança ocorresse de vez. Foi quando deu de cara com o letreiro num desses outdoors reduzidos que mudam as propagandas a cada minuto. Bem à sua frente, as letras se jogaram, grandes e brancas, saltando do fundo preto: “COMO ESQUECER”. Só isso, em letras garrafais. Nem um ponto final, nem uma exclamação, nenhuma interrogação. Somente as duas simples palavras. Logo pensou em uma pergunta: como se esqueceria? E então pensou no que era preciso esquecer: “como esquecer tudo isso que tenho tentado e que preciso de vez deixar lá atrás, lá onde se fecham os sacos plásticos e lançam-nos nos lixos que poluirão nossas águas? Como descolar os pensamentos dos sentimentos tão presentes que as lembranças deixavam pingar entre as brechas dos dias? Como começar outra história, outro capítulo, outro filme, se a trilha sonora da cena anterior ecoava nos ouvidos surdos da madrugada?”

Atônita, parou frente ao cartaz tentando descobrir o que, afinal de contas, ele estava divulgando. Esperou, esperou, esperou. As letras iam e viam, mas nada de novo aparecia, nenhum telefone para contato, nenhum nome de espetáculo, nenhum endereço de loja. Nada. Por pouco as sacolas não lhe caíram das mãos. Por pouco não desfaleceu e tombou na calçada. Por muito, muito pouco, não se ajoelhou diante do brilho da frase implorando uma resposta qualquer. Por pouco não perdeu os sentidos e a vontade de seguir adiante.

Agora caminhava rapidamente, correndo para a casa onde sabia que estavam suas memórias. Todas as lembranças que aos poucos jogava fora com a mudança dos móveis, as fotos novas na parede, novas músicas no som. Ainda tentou não pensar no letreiro, mas aquilo a perseguiu por alguns dias. “Como esquecer”, pensava consigo. E tentava, inutilmente, achar a pontuação certa que desse sentido – e fim – a tão inquietante questão.

domingo, 15 de agosto de 2010

O dia em que Pedro se foi

Era domingo. Era dia dos pais. Era agosto. Inverno. Um pouco de calor em casa e muita chuva aqui dentro. O dia demorou a passar e cheguei a pensar em fugir de casa. Mas estava sozinha.

Chorei um pouco. Era o cansaço. Era o medo. E a saudade. Ri um pouco, depois. Com a amizade e as bobagens ao telefone. Era quase noite e uma vontade de dormir carregava a cabeça e os pensamentos. Era o vento.

Telefone. Só pra saber, só pra ter notícia, só pra ouvir a voz. Ela estava embargada, trêmula. A mãe soube que o filho morrera. De repente. Estava longe dela. Longe de todos. Muito longe de mim já havia algum tempo. Ainda não tinha detalhes, era só isso: Pedro morreu.

Era meia-noite e a cama pareceu maior do que sempre. A luz apagada trouxe uma escuridão maior que tudo. Era o tempo. Era o susto. O silêncio.

E nunca mais mensagens de bom dia, boa semana, boa sorte. Nunca mais o sorriso largo e o sonho de artista. Um vazio, enorme, enorme por aqui. O pai dele deve estar gostando da companhia, a visita inesperada em dia de celebração. Os que ficaram estão sem entender. Só com a tristeza, a lembrança e todas as saudades. Era muito jovem. Era um menino. Não é mais.

sábado, 31 de julho de 2010

Desencontros


- Eu estava lhe esperando.
- Eu não falei que viria. Falei?
- Ah!! Você e suas perguntas....
- Mas esperou por que?
- Não deveria?
- Eu não disse que viria. Não precisava.
- Sim, mas eu esperei porque eu quis. Só. Eu que quis. Você viria de todo jeito.
- É.
-Então pronto. Já posso ir.
- Mas já?
- Já. Você já chegou. Posso ir agora.
- Tá...
- Até.
- Quando?
- Sei não. Nem dá pra saber.
- Verdade.
- E você, vai pra onde?
- Não vou. Fico aqui. Esperando.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

29

Hoje é dia vinte e nove. Daqui um mês, no dia 29 de agosto, acordarei com 29 anos vividos. 29 anos de muitas experiências, ainda poucas diante de todas que ainda virão, mas o suficiente para me fazer entender algumas coisas e sofrer com outras... é o ciclo. Em pleno retorno de Saturno, sinto que agora é, de fato, a hora de ser dona da própria vida, escritora da minha história; mais do que nunca tenho levado as rédeas nas minhas mãos, dominando este cavalo alado que teima em correr pelos campos como se a liberdade fosse tudo que possui. Vida de adulto, como digo aos meus amigos. Dói um pouquinho, mas é muito bom!

Como não poderia deixar de ser, mais música, uma que eu adoro e fala um pouco desse momentos vintenovesco. E Legião, para matar a saudade.


Para quem quiser saber mais sobre o famoso "Retorno de Saturno": http://www.personare.com.br/revista/identidade/materia/138/amadurecendo-no-retorno-de-saturno

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Sem perder a delicadeza

Não é de hoje. Acredito até que sempre foi assim. Mas não entendo e não aceito certas formas como se tratam as pessoas. Muito me admira alguns modos, algumas palavras, olhares e gestos. Com ou sem motivo, as pessoas se destratam. Diria que isso é feio, mas é pior que isso. É simplesmente desnecessário. Já havia pensado sobre isso, já havia me indignado muitas vezes (pra falar a verdade, todos os dias vejo maus exemplos); mas a letra me veio com uma música – sim, sempre a música na minha vida, ainda bem! – “coloque um pouco de delicadeza no que escrever e onde quer que me esqueças...”. uma melodia delicada. E pronto!, lá estava minha mente inquieta matutando sobre ser ou não delicado. E a primeira coisa: é uma palavra linda – delicadeza. Rima com tantas outras de beleza igual, de grandeza semelhante e de riqueza de sentidos. Segunda coisa: sinto muita falta. E só me dei conta do quanto é bom ter esse substantivo por perto quando me vi numa cidade “sangue quente” onde a alegria, descontração e receptividade contrastam cruelmente com a falta de tato e de cuidado com o outro. Sim, falta cuidado, no maior sentido da palavra. Cuidar, tratar, no mínimo, com carinho, praticando aquela máxima de não fazer a ninguém o que não quer que façam contigo. Definitivamente, funciona pouco, pelo que vejo. E forma-se uma bola de neve, uma corrente que se alastra por pura vingança e pirraça no pior estilo “se latir, eu mordo”. E quantas mordidas são dadas sem ao menos uma chance de se dizer bom dia...

Bom, não era bem isso que ia dizer quando comecei a deitar aqui essas letrinhas inquietas. Queria fazer algo bonito, que exaltasse os seres delicados e mostrasse um pouco de efeito positivo sobre as almas saudosas de um carinho gratuito. Isso! Delicadeza me vem como um carinho gratuito, o bom sentimento que a gente oferece a quem quer que seja, sem se preocupar se será tratado com o mesmo toque de flor. É simplesmente dar o melhor, ou pelo menos, um lado bom de si. É deixar escorrer nossos mais sinceros votos de que aquele encontro – qualquer que seja – possa deixar uma boa lembrança, um olhar verdadeiro e a certeza de que estivemos na presença de alguém que nos fez bem. Delicadeza é saber lidar com as fraquezas e dificuldades alheias com a mesma paciência com que lidamos com as nossas. É derramar um sorriso de graça, assim, dado de presente para aquele que a vida coloca em nossa direção.

Mas o que realmente tentava dizer era que é cada vez mais difícil manter-se delicado. Tudo nos leva ao contrário. Gritos, insultos, irritação, abandono, desprezo, raiva, pressa, inveja, etc, etc, etc... fazem com que percamos o tom e fiquemos mesmo mais duros e insensíveis, com tudo. Cheguei onde queria: “é preciso estar atento e forte”, para sobreviver à dureza da vida cotidiana, do mundo adulto violento e insano, sem perder a delicadeza que carregamos na essência do ser. É trabalho diário, mas que com a prática torna-se fluido e natural. E com resultados tão lindos quanto os sorrisos e abraços que recebemos de volta. Ser delicado. Apesar de tudo, apesar de todos. Não quer dizer fraqueza; ser delicado é outra coisa. Ao contrário, fortalece. Então fica a dica: viver, lutar, sofrer... sempre com delicadeza.

Tudo bem, às vezes eu assumo que sou irmã coruja e babo nos meus "irmaozinhos". Ainda mais agora, que o mais novo se formou e estava lindo! Então, já que o negão merece, aqui vai minha pequena homenagem, meus mais sinceros parabéns e minha declaração de amor ao Jardel, essa coisinha feia aí. Desejo todo sucesso do mundo, muitas outras conquistas, muita luz e sorrisos! Garoto, como eu te amo!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A quem interessar possa


Saí há alguns minutos, deixando as ruas molhadas e o vento frio, e agora estou num infinito azul de estalar os olhos e aquietar qualquer coração. Está um dia lindo aqui em cima. Vejo um chão de nuvens ali embaixo, bem perto, tão denso que eu seria capaz de me jogar sobre elas como quem se joga num colchão macio. Seria capaz de correr, pulando entre as imensas bolas de algodão, fazendo rolar todas as alegrias dos últimos dias, e as que virão. Olhando daqui de cima, com esse feixe de sol apontando para minha garganta, posso ver tanto das cidades que tive a impressão de ver um pedaço de mim andando em algum lugar. E logo pensei em você. Pensei porque estar assim é quase tão bom quanto estar no seu abraço. E como estou sem ele, o que alimenta é essa imensidão e uma vontade enorme de saber se você resistirá à chuva, à ventania e ao silêncio. Ah, precisava dizer que o azul desviou o medo e pensar em cair virou brincadeira de criança...quanta leveza.... Outra coisa - isso me lembra o mar, aquele de sempre, o mar do início, o mar do meu nome... palavras....
Não era pra ser nada demais. Era só pra dizer que estou com uma pequena saudade do seu abraço. E do seu sorriso.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Postcards from Italy


A música é linda. A banda, uma das minha últimas paixões, dessas que tomam tempo e fôlego, que encantam e deixam mais vontade. Acho que não é preciso falar muito sobre o poder dos sons sobre a alma, é algo já aceito, comprovado e aprovado. E esses rapazes ( e sua musicalidade incrível!) conseguem me encantar a cada dia que ouço, bem assim como esses romances em que se ama cada dia mais um pouquinho... eles tocam em algum lugar antes do amor e da dor, antes de qualquer tristeza ou alegria, algum lugar entre o plexo solar e a boca do estômago. Não sei direito. Acho fabuloso.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Coisas bonitas

Ainda cedo, o azul do céu escorrendo pela minha cama, lembrando um dia de alegrias pequenas, sorrisos sinceros, ao lado do par de olhos que tanto brilhavam na despedida da lua, um som de saxofone enrolando meus tímpanos em veludo, o corpo adormece. Amolece lá dentro aquele instante de dor e saudade que queria ficar mais um dia, mais umas horas ou para sempre. Derrete-se aquela fria calmaria de solidão dos instantes calados na porta do peito, como se nenhuma sombra se atrevesse mais a insultar meu sono.

Adormeço. Em sonho – experiência real, acredito – uma dança ou algo assim, uma valsa de leve, um abraço de lado que traz o que é quente, o que alimenta, apavora e encanta. Tudo que cabia no abraço agora já não cabe mais. Ainda cedo. Cedo para braços de paz, para beijos de bom dia, para o chá das cinco, para o fim do filme, para ficar sem fazer nada, orelha jogada na barriga alheia, som de tv.

Amanheço. E ao sentir o tilintar do dia nos cílios longos aparece um fantasma, a sombra que se desmancha com o tempo, mas que existe (temo que nunca deixe de existir). São duas sombras, na verdade, e se desmancham em uma só. Música – vício eterno – café quente, espelho, roupa cheirando a esperança, novidade, gosto bom.

Entardeço. Correm as horas pela minha pele e enxáguam de cansaço o olhar delirante. Bom, este dia, como outro qualquer, sem especialidades, sem surpresa, sem soluços, quase – quase – sem saudade. Impossibilidade, reconheço. Aprendo a viver com ela a cada dia, a ausência. Fazer dela boa companhia, aquela que suporta os gritos desafinados no chuveiro, as folhas rasgadas com poesias tortas e as mensagens madrigais da madrugada.

Anoiteço. Caio junto com as estrelas nessa imensidão de negrume e cheiro de flor. Tentar ignorar as buzinas e sirenes ainda é um esforço presente. Vem-me assim, com frases bonitas e há-braços de todos os tamanhos e intensidades. Longos, assim como são longos os fios molhados que enrolo no tecido, enxugando a face desbotada e as pernas com alguma dor. Fios de lua agora, escorrendo pela cama, que me espera. Boa, esta noite. Leve por causa das canções que descobri sem querer, por causa da voz do garoto que canta como quem ama. E ela me diz sobre verdades universais, desejos de amor e erros nos olhares. Todos os dias acontecem, acontece amor todos os dias. Escondido nas pequenas coisas, essas que meus olhos nem conseguem ver sem lentes corretivas ou esse par de óculos que trazem dor de cabeça. Letra de música, “descreva pra mim sua latitude que eu tento te achar no mapa mundi”. Lembra as distâncias. E a delicadeza do momento se faz maior que tudo, maior que eu, maior que tudo que pude ser, enfim. Com o tempo, esqueço.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Anoitecendo

Ver estes olhos tão cedo, tão cheios de olheiras e tristezas, faz pensar que já é um pouco tarde para certas felicidades que ainda não tive. Também faz lembrar da voz dizendo que era preciso bater à porta e deixar aquela criança entrar de novo, ela que está ali quietinha do lado de fora, só esperando uma brecha ou uma mão que a faça escorregar para dentro, trazendo luz e alegrias, com flores e brincadeiras.

- Dar menos importância ao correr do tempo, este que zomba de nossas caras cansadas de sono e solidão... – é o que escapa dos pensamentos e cai junto com a água fria da torneira, indo pelo ralo da pia sem deixar sequer um rastro, uma esperança de que algo irá se concretizar.

Sim, estamos envelhecendo. Mas ainda é começo de tarde, a noite vai demorar a chegar e temos muitas horas para viver enquanto as estrelas não aparecem. Só que o medo da escuridão é tanta que nos vemos antecipando o acender de algumas luzes, como se isso pudesse fazer a noite mais clara, como se fôssemos capazes de nos manter iluminados quando o sol se cansar do azul do céu. - Inútil. Completamente inútil - ela diz com aquela voz suave de quem sabe anoitecer. Melhor é esquecer os relógios, aprender a contar o tempo olhando para o alto e ouvindo o sábio cantar dos passarinhos. Melhor correr na chuva e brincar de pique-pega sem pensar nos ternos desbotados que circulam pela cidade escondendo tesouros. Melhor ainda é esquecer os números que gravam nos nossos papéis e viver sem essa matemática que cansa a alma e julga nossos corações. E ainda melhor seria, esquecer que anoitece. Desfrutar o orvalho da manhã, o dançar do vento ao entardecer, o silêncio do pôr-do-sol... Dar menos importância ao tempo, este que zomba de nossas caras cansadas de sono e solidão....

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Alegria de Segunda


Nem toda segunda-feira tem tão gosto de feriado, nem todo começo de dia tem tanta cor espalhada pelas calçadas, tantos gritos e sorrisos nas janelas e nas esquinas verde-amareladas. Dia feliz, como deveriam ser todos os dias. Não porque é Copa do Mundo e a cidade está em festa, nem porque ninguém trabalhou no fim da tarde e os donos dos bares dormirão sorrindo esta noite. Tampouco por causa do sol e do céu azul- enevoado que embeleza o fim das horas de um dia 28 qualquer.

Um dia, sim, feliz. Só porque uma canção há tempos calada voltou a tocar no ouvido, e posso escutá-la mesmo no meio dos ensurdecedores toques de corneta. Feliz porque a leveza de acordar e ficar de olhos abertos até o despertador tocar já não era coisa que acontecia. Também porque um esboço de descanso se apresenta para uma semana próxima, e já é possível sonhar com um pedacinho de tarde em silêncio, à toa, de frente pro mar ou em companhia de alguém que me conte algumas bobagens e traga um sorriso macio e sincero. Feliz, porque assim o escolhi, o dia de hoje. Como escolhi o vestido de flores e os cabelos soltos, decidi pela felicidade toda que este inverno poderia me oferecer. Foi só fechar os olhos (abrindo os de dentro) e aceitar.

Pequenas alegrias e nada de dor. Um dia simples, bem suave, diferente dos outros. E agora ele se vai, com o avançar da lua no meio do céu. Com ela caminho lentamente em direção ao dia seguinte, esperando passar o filme dos sonhos que poderão trazer de volta alguma imagem perdida, alguma lembrança de paz, algum desejo escondido ou outra história qualquer. Amanhã é terça. Só posso esperar que ela seja outro dia de calma, afeto e poesia.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Resposta a Nayara

Para os meus alunos, essas criaturinhas tão sedentas de vida que me fazem tão feliz


Ela tem quinze anos e me perguntou o que é viver. Assim, na cara, como quem diz qualquer coisa sem importância, qualquer coisa que traria uma resposta rápida e certeira. Mas não, não foi rápido. De seus olhos escorriam a ansiedade e o desespero de quem quer logo ser feliz, de quem não sabe muito bem para onde está indo e, por isso, decide parar no meio do caminho e pensar antes de prosseguir. Junto a ela, tantos outros aflitos que só querem viver. Aliás, tentam descobrir o que é este verbo, como conjugá-lo como coordenar o tempo e o sujeito à ação tão ambígua e urgente. O que é viver? A frase foi dita assim, com essa interrogação de todo tamanho pulsando no círculo, no meio do palco daquele teatro escuro e sem beleza alguma.

E daí, cara menina, o que posso dizer é que existem tantas e tão densas respostas, tantas leves palavras, que eu seria incapaz de dizer, em poucos minutos, a dimensão do verbo que nos inquieta. Poderia lhe dizer que viver é isso que fazemos desde o instante do nosso nascimento até a última respiração. Diria que viver é biológico – respirar, comer, reproduzir, morrer – como acreditam os que vivem de ciência. Diria também que viver é estar aí, solto no mundo, como planta que cresce em qualquer lugar e apenas é. A planta é e ponto. Fica ali, à espera da chuva, do vento e do sol, até que um dia um pé a destrua ou uma mão lhe arranque a raiz.

Menina, vendo o brilho que tem no olhar que questiona, eu queria poder lhe responder que viver é só estar no mundo, mais nada. Mas não é assim, todos sabem. E então, encontramos nas palavras alheias, nos olhares estranhos e nas vidas que cruzam nossos destinos, aquilo que tanto tentamos compreender. Poderia, assim, descobrir que viver é aquilo que faz uma avó que trabalha muito todos os dias para ganhar um mísero trocado que gastará com o pão de seu neto, que já não tem nem pai nem mãe; viver é aquilo que costumam fazer os aposentados que passam as tardes jogando damas nos bancos das praças; também é o que dizem fazer os homens ricos que andam de iate e bebem uísque nas festas caras que promovem, só para mostrar que podem gastar o quanto de dinheiro quiserem. Talvez viver seja aquilo que faz o mendigo que vive na minha rua e toca uma flauta às 7 da noite, enquanto as pessoas correm sem saber para onde estão indo. Pode ser, quem sabe, que viver seja tão simples como pregam os monges que se vestem de laranja e rezam 20 horas por dia. Aliás, há quem diga que viver é fazer uma passagem neste plano, em busca de evoluções e prêmios que nos levarão a um plano superior, onde o ser humano conseguirá se livrar completamente de seu aspecto material. Há os que dizem que viver é uma aventura, que cada dia é uma luta, que é um desafio e que devemos estar sempre prontos para a batalha.

E então você quer saber se, realmente, viver é ser feliz. Mais uma vez, digo que não há resposta que lhe caiba tão justamente, além daquela que seu próprio coração tem para lhe dar. Mas sei que não ouvirá tal resposta tão cedo, porque há muitos sons e muitas vozes lhe dizendo o que fazer e o que não fazer, e assim, menina, você não vai conseguir viver nunca. Porque isso não é viver, digo com alguma certeza de quem já aprendeu o que não ser. Deixar seus sonhos para seguir sonhos alheios, dizer sim àquilo que lhe causa dor, ignorar suas vontades... Ah, isso não é viver! Não o é simplesmente porque isso é deixar escapar entre as gotas do tempo o frescor da sua juventude; é calar sua alegria para dançar ao som de uma música que não é a sua. Sim, eu sei e concordo – viver traz sofrimentos. E muitos! Tantos que às vezes a gente é capaz de acreditar que não vai dar conta de tanto peso, acha que não consegue puxar a corda até o fim e pensa em desistir antes que toque o sinal. Acontece que, e nisso eu acredito, sofrer também é viver. Quer dizer, para viver, sofremos algumas vezes, sentimos dor, de barriga, de cabeça, na alma, no coração. Sentimos fome de carinho, fome de amor, fome de comida na hora certa. Sentimos tristezas, choramos de saudade das pessoas que estão longe, pessoas que nos deixaram, pessoas que amamos. Sentimos também raiva de um monte de coisas e um bando de gente que faz besteira pela vida. Sentimos uma porção de outros sentimentos ruins que nos trazem gastrites, enxaquecas, depressão, falta de ar. Mas, acredite, isso também é viver. É sinal de que estamos vivos e, portanto, sinal de que algo está em movimento e não podemos parar no meio da estrada.

Há tanta coisa que queria lhe dizer só para que você sentisse a leveza de estar viva... Queria muito que as lágrimas que dançam no seu rosto agora, fossem a sua alegria explodindo na alma e brilhando para quem pudesse ver. E queria, mais que tudo, que você acreditasse que está vivendo. Só isso. E que não deixasse mais nem um segundo sequer escapar dos seus dedos sem que algo de bom lhe animasse o espírito e despertasse a vontade de ser mais e mais a cada dia. Queria, pelo menos, que aprendesse a encarar tudo isso, não como uma dor, mas como parte do ser perfeito que você é, mesmo com seus medos, suas dores e suas tristezas. Mas, perfeito, principalmente, porque carrega sonhos, alegrias, força e luz.

E então, eu só digo: eu não sei. Eu não sei o que é viver. E não saber também faz parte. Só que mesmo não sabendo, não vamos deixar de tentar descobrir, a cada dia, o que é que nos faz tão feliz, já que esperamos que a vida nos traga felicidade. E espero que você a encontre logo, antes que o tempo se acabe, antes de ficar tudo cinza demais. Espero que você encontre a sua felicidade hoje, antes do almoço ou depois do jantar, tomando banho, cantando em frente ao espelho, abraçando seu melhor amigo, desenhando o ar com seus saltos de ginasta, estudando geografia e química e descobrindo em cada um desses momentos algo de bom. E espero um dia ver brilhar no seu sorriso a certeza de que tudo isso tem valido a pena, não porque foi fácil, mas por tudo que você aprendeu, pelas pessoas que encontrou pelo caminho e pelas pequenas alegrias derramadas no longo percurso daquilo que você um dia chamará de sua vida.

terça-feira, 8 de junho de 2010

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Silêncio de fim de semana

Hoje é segunda. Ontem, domingo, foi fim de um feriado. Um outro começo. Pouco falei, muito fiz nos dias que seriam de descanso. Descansei o corpo e o espírito. Descansei de algumas dores nas costas e na alma. Mantive o silêncio, tão fiel companheiro que nunca me deixa só. Com ele, versos e música, muita música, sempre, a todo instante, para dançar, para cantar, para pular de alegria. O melhor dos remédios, a melhor parceira para fins de semana de solidão. Verso, melodia, ritmo. Qual prefiro? A que dá vontade de dançar, a que dá vontade de chorar e a que dá vontade de ser feliz pra sempre.

A voz de Milton dispensa qualquer comentário

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Música, música para os corações

A imagem turva

Lembro-me que tinha os olhos pequenos, amendoados, a face meio fina e um queixo delgado. Lembro-me levemente de uns traços da boca. Esqueço, aos poucos. Foge à memória, quando tento ver-lhe a cor dos olhos e o tom da pele. Escapa de meus pensamentos a forma dos dedos e o arco da nuca. A foto ao lado às vezes me lembra de algo que se perde, mas ela já não fala mais de como é seu rosto, não me conta mais desse sorriso. A imagem presa ao passado conta de um tempo que não há mais. Histórias, para contar ou não, para lembrar ou não, para deixar passar, para transformar em contos, filmes e nada mais.

De vez em quando, sem que eu perceba, a imagem surge clara e lúcida, num piscar de olhos. Às vezes em sonho, ou quando a ressaca da tristeza se esconde por uns segundos. Vem aquele relâmpago de lembrança, jogando nas pupilas de dentro a certeza daquele olhar. Vem e passa, tão rápido quanto a luz. E volto a me esquecer, a perder entre outras visões de letras, borboletas e pôr-do-sol, a face de quem está sempre presente. A lucidez se enevoa, a luz diminui tirando o foco do sorriso, do brilho do olhar.

A imagem, cada vez mais turva, diz que algo se perdeu. A saudade vira lembrança, guardada no fundo para ser contemplada um dia, quem sabe, quando já não houver mais dor, nem tristeza, nem rancor. Só uma imagem turva, uma sombra sem formas, sem cor, sem sentido. Um borrão de tinta, uma marca. E como nem todas as marcas se apagam, ficam assim, essa mancha amorfa cujos contornos não conseguimos mais distinguir. Mas é esse o sentido das marcas – contar algo de nós, lembrar que algo tão nosso, mesmo que perdido no espaço e no tempo, permanece em algum lugar.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Porque a letra é linda, a música tanto quanto. Porque amanhã deixo Minas,mais uma vez...

DESENREDO

Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro


Por toda terra que passo me espanta tudo que vejo

A morte tece seu o fio de vida feita ao avesso

O olhar que prende anda solto

O olhar que solta anda preso

Mas quando eu chego eu me enredo

Nas tramas do teu desejo

O mundo todo marcado a ferro, fogo e desprezo

A vida é o fio do tempo,
a morte é o fim do novelo
O olhar que assusta anda morto
O olhar que avisa anda aceso
Mas quando eu chego eu me perco
Nas tranças do teu desejo


Ê Minas, ê Minas, é hora de partir, eu vou

Vou-me embora pra bem longe

A cera da vela queimando,
o homem fazendo seu preço
A morte que a vida anda armando,
a vida que a morte anda tendo
O olhar mais fraco anda afoito
O olhar mais forte, indefeso
Mas quando eu chego eu me enrosco
Nas cordas do teu cabelo.

Ê Minas, ê Minas, é hora de partir, eu vou

Vou-me embora pra bem longe...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Mineirices

Aqui o frio é mais quente

Aqui a montanha está no quintal

Aqui o café é mais forte

Aqui a lua é mais brilhante

As estrelas menos distantes

O espelho mais igual


Aqui a noite é de silêncio

Aqui não tem sirene, buzina

Aqui o pão é mais gostoso

O queijo muito mais saboroso

A água mais limpa

O cheiro mais doce

O verde mais perto

O azul é mais céu


Aqui sou mais calada

Aqui sou mais quieta

Aqui escuto a alma

Aqui enxergo por dentro

Aqui vejo tudo mais calmo

No centro

Tudo mais calmo no centro de mim.

sábado, 20 de março de 2010

Sobre a saudade que há

O pior quando se sente saudade

é perceber a crueldade do tempo e da distância

Que faz o calor dos abraços se perder

Faz a lembrança do olhar esmaecer

E a sensação do toque transformar-se em vento.

O pior de sentir saudades

É o silêncio eternizado em canções ou lágrimas

É a vontade de falar naquela hora

Uma palavra que nunca mais será dita

Pois está para sempre perdida na incapacidade de ser.


Sentir saudade nem sempre dói

Ainda mais quando se aprende a viver distante

Quando se tem amigos e amores ausentes

Quando se deixa a casa da mãe para viver só

Quando se compreende o sentido das ausências

Quando se acostuma com as batalhas de um guerreiro só

Quando se tem mais amor que apego

Aí, sim, aceitamos sentir essa falta

E não a deixamos doer.


Mas sentir saudade é não ver só a lua

Mas um mundo que poderia ser melhor

- ou não.

E mesmo que não se sofra, mesmo que não seja tão ruim

O pior da saudade é a incerteza

De que um dia ela será passado e lembranças bobas

O pior é não saber.

E não sabendo o que virá,

Não sabendo o que será,

A espera é quase uma morte

É um risco que se corre

De nunca deixar de ser só saudade.

sábado, 6 de março de 2010

Há tempos não faço poesia
Às vezes me falta um assunto
Em outras é falta de rima.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Leia-me


Há muitas entrelinhas, no olhar, nos dedos, na carne escura, no abrir e fechar dos lábios quase vermelhos. Há pedidos que são verdadeiras preces e preces que soariam como heresias se ditas em meio tom. Há sorrisos disfarçados no piscar dos olhos arredios e desespero por trás do saracoteio dos ombros graciosos.


Há tanto, tanto a ser dito que seria impossível em duas, três encarnações. Uma eternidade inteira seria pouco, desconfio. E tanto a ser ainda pensado e falado e escondido que deveria dispor-se a gastar mais tempo do que de costume. As palavras nunca me chegam na hora e as vírgulas tremulam na língua, vão e voltam ressabiadas, caindo por vezes no lugar errado e trocando os sentidos. Sentimentos que se espalham por sobre a pele vezes febril, vezes gélida, escorrem pela dimensão do corpo e voltam, atravessando os poros, correndo para o sangue, chegando de novo ao coração. Este se embaraça, finge que não vê, bate como se fosse um tambor qualquer e não parte vital de mim. Escondem-se nele os mais íntimos, lindos e sombrios sentimentos, os mais cruéis e encantadores pensamentos, tudo que ninguém consegue ver.


Inútil tentar ouvir, o som se cala. Meu espelho se quebra e a sorte se lança, como suicida no desfiladeiro, como para-quedista em tarde de sol. Descobri que, se deixo a água entrar nos ouvidos durante o banho e coloco a cabeça debaixo do jato de água gelada, escuto como uma meia surdez, um som abafado, como se os ouvidos da alma estivessem mais abertos. Faço isso, para me ouvir de vez em quando. Escuto. E guardo segredo. Não me peça que os diga, não os direi de forma alguma. Mas eles seguem comigo e escapam em algum olhar. É preciso estar bem perto para ver, atento para compreender. Fora isso, nada mais entrego. Sou isso. Nem esfinge, nem notícia. Só silêncios.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

DIA CINZA


O céu amanheceu azul, com o mesmo azul radiante dos últimos cinco dias. Dias de festa, de calor, de música e corpos dançantes pipocando por aqui e ali. Cores, muitas cores, na avenida, nas ruas, no céu, nos jardins pisoteados, nas fantasias reveladoras, nos olhos foliões. E lá se foi o carnaval, deixando rastros em alguns corações, marcas em alguns pés e sujeiras e algumas ruas. E hoje é dia de cinzas.

Amanheci tranqüila, nem cansada, nem triste, nem desbotada. Nem tão cinza quanto as cinzas nas testas dos cristãos, nem tão azul quanto o firmamento cintilante sobre o mar. Nem tão pouco com saudade do feriado, nem um pesar sequer. Amanhecer sozinho, como amanhecem os alerquins e as colombinas depois do baile, como os travestis bonitos que se enfeitaram mais que o costume, como os garis presos nas vassouras na madrugada. Tomei um banho gelado. De repente, fez-se um enorme silêncio em torno de mim. E eu gostei. Envolvida no som dessa ausência, não da solidão, mas do estar assim, sem ninguém por perto depois de passar dias entre tanta multidão, senti um prazer como o de voltar de uma viagem, como se estivesse fora de casa há tempo, quase uma saudade de mim.

Dia de cinzas - lá fora o mundo descansa, desabado em camas e sofás. Aqui dentro, uma alegria, leve, serena. Ainda bem que o carnaval acaba.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sobre como o amor se assustou

Eles se amavam, diziam. Uma história linda, como são lindos todos os primeiros capítulos de uma história de amor. A moça, assim, meio cabreira, mas como toda boa moça apaixonada, entregue. O homem, firme e simpático, tinha algo de forasteiro, desses que aparecem nas cidades de interior e deixa atrás de si um bando de menininhas encantadas, desiludidas ou esperançosas. Veio tal como guerreiro que tira a mocinha das mãos da bruxa, tal conto de fadas, tal filme de faroeste ou qualquer melodrama qualquer.

E, enamorados, começaram a construir um mundo juntos, nas tardes de domingo enquanto jogavam migalhas de doce aos peixinhos de uma lagoa qualquer. E iam se acertando.

- Casa?- Ele perguntara.

- Sim, com jardim - ela respondia.

- Jardim de flores amarelas. Tá. Cores?

- Violeta.

- Prefiro azul. Hum?! Filhos?

- Hum... sim.

- Ok, 3 meninos e 1 menina, certo!?

- ...

- Férias?

- Pode ser numa cachoeira.

- Ok, Cachoeira do Itapemirim, combinado?

_ ....

E assim, seguiram, ele anotando tudo, acertando os seus sonhos e planos, combinando a cor do vestido, o tamanho do sapato, a escola dos meninos, a festa de bodas de ouro... e ela acompanhava, meio calada, sentindo seus sonhos se perdendo nos sonhos dos dois, suas cores se fundindo nas cores dos dois, sua música abafada pela música dos dois, sua dança disritimada pela dança dos dois...

Sabia que não poderia falar não, afinal, era em nome do amor. Não era? Mas esse, o tal do amor, logo viu a fria em que se metera, pois sabia que não dava pra carregar tudo aquilo sozinho. Se escondeu, ficou quieto, encolhidinho, caladinho, para que não o achassem de breve. Era novinho demais, coitado, nem um ano ainda, nem falava, e já queriam que carregasse aquele peso todo! E sabia que depois ia sobrar pra ele, porque se se atrevesse a segurar aquela cruz ia cair na primeira esquina e todos iam lhe apontar o dedo: “Fraco! Falso! Insuficiente! Pequeno demais!!!”. Ah, não, isso ele não queria. Queria mesmo era crescer livrezinho, que nem menino na roça que pode sair e só voltar quando a chuva aponta na montanha. Sabia que ficaria grande, forte e aí, sim, poderia carregar todo aquele castelo com jardins, salas e quartos, crianças e bichos de estimação. Mas precisava de muito colo ainda, tadinho, precisava conhecer cada pedacinho da terra, conhecer os caminhos daquela estrada, conhecer os desvios, os atalhos, as armadilhas, os esconderijos, os bosques e os rios de águas claras. Precisava de tempo pra isso.

O moço insistia, queria marcar a data, assinar o que fosse preciso, levar a moça prum tal de paraíso que ela ainda olhava de olhos arregalados, morrendo de medo, a bichinha. Ficou acuada. Não queria ir com ele pro precipício, como diziam. Não por medo da queda; mas ele se fizera uma rocha e, se jogando, cairia de uma vez só. Ela queria ir voando, como folha de papel na ventania ou folha de inverno que se solta da árvore no tempo certo. Queria ir flanando pelo espaço, sentindo o carinho do vento, mudando a direção de vez em quando para ver o outro lado, caindo, caindo.... na mesma direção, mas num ritmo diferente, o ritmo que seu coração tocava.

Se caíram ou não, ninguém sabe. O que se ouve dizer é que o amor continuou escondido e talvez se tenha perdido de tanto esperar. Uns dizem que fugiu assustado; outros dizem que dorme em seu refúgio deixando pra voltar mais tarde; há até os que dizem que voltou logo, correu para o colo e ficou lá, acabrunhado, sendo bem alimentado e bem preparado para o peso que lhe reservavam. Dizem... a verdade mesmo ninguém sabe dizer.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Os sapatos e as portas


Vermelhos. Os meus sapatos. Já um tanto gastos de tanto andar com ou sem rumo pelas mais diversas e tortuosas ruas da cidade quente, fervorosa. São bem baixos, sem salto nenhum, para que não me iluda da distância que estou do chão, nem iluda aos outros com um falso tamanho das minhas nem tão longas pernas. Vermelhos, baixos, mas confesso, já foram mais confortáveis. Hoje não são mais. Contrariando a máxima que afirma que os sapatos velhos são os melhores, por terem a forma dos nossos pés neles tão bem moldada... mas esses, bah!... traíram-me. Cansados de tanto me suportar, hoje machucam meus dedos.

Vermelhas. As portas. Também vermelhas de um vermelho sanguinolento, estúpido, como se fossem as únicas portas vermelhas de todo o mundo. São altas, bonitas, talhadas por mãos negras, certamente, já que são muito, muito velhas. Muito mais que os meus sapatos. São de um tempo longe, longe dos meus olhos e até mesmo da minha imaginação- mesmo que posso sonhar e criar em pensamentos a vida de outrora, jamais viverei e serei capaz de bem absorver o que era aquele tempo que nem sei qual é.

E vendo agora, às minhas costas, as portas e os meus sapatos tilintando em meus ouvidos um passado colorido, vibrante como o rubro que me atordoa, só fico a pensar onde se encostam, além da tonalidade, tais portas e meus humildes pisantes ainda na moda? E me veem à lembrança: caminhos. Sim, é isso! São muitas as estradas por onde tenho andando, umas inimagináveis, outras tão esperadas e programadas como os bebês de proveta. E por muitas portas tenho entrado, por outras, saído; em outras tantas me atenho diante da maçaneta, sem coragem de girar e nem de tocar a campainha. Já em algumas vou passando sem nem ser convidada, assim como se entra na casa da vó ou do melhor amigo, simplesmente entrando. Sem rodeios. Mas essas, confesso, são poucas. Nem mesmo em minha própria casa, que de fato não é minha, mas contém só a mim no momento, nem mesmo nessa me atrevo a entrar de surpresa. Giro a chave devagar, abro sem pressa, entro pé- ante- pé; paro diante do corredor e olho. Ninguém. Silêncio. Cheiro de janela fechada. Ok, posso entrar. Vai ver ainda não me acostumei a ser recebida pela solidão tão acolhedora que me deixa adormecer em seus braços. Talvez seja só mesmo medo de ladrão, lagartixa ou outra bobagem qualquer. Ou ainda, porque não gosto de entrar em casa sem tirar os sapatos. Ahá! Então é isso. Deixo-os sempre, perto da porta, para que lá fique a sujeira da rua, a energia dispersante. Mais ainda, pisar descalça me alivia a alma, além de refrescar do calor suado dos sapatos fechados. E deixo que eles se entendam, em seu vermelho, sobre porque entrei se não deveria entrar.

Nem todos os meus sapatos são vermelhos, como não o são todas as portas. Andarei com eles muito pouco, doravante, ainda que queira usá-los mais. Mas são tantas as portas que ainda tenho a atravessar que, creio, eles não suportarão longo destino. E enquanto me distancio, como sugere Quintana “como quem foge de casa”, troco os pares a cada esquina, para que combinem com os tons das portas que surgem adiante. Não que faça muita diferença – poderia entrar sem sapatos, se assim me permitissem. Mas as cores existem, e os vermelhos se fundem. Não resolve. Mas ajuda. Pelo menos espalho cor pelo meu caminho.