quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sobre como o amor se assustou

Eles se amavam, diziam. Uma história linda, como são lindos todos os primeiros capítulos de uma história de amor. A moça, assim, meio cabreira, mas como toda boa moça apaixonada, entregue. O homem, firme e simpático, tinha algo de forasteiro, desses que aparecem nas cidades de interior e deixa atrás de si um bando de menininhas encantadas, desiludidas ou esperançosas. Veio tal como guerreiro que tira a mocinha das mãos da bruxa, tal conto de fadas, tal filme de faroeste ou qualquer melodrama qualquer.

E, enamorados, começaram a construir um mundo juntos, nas tardes de domingo enquanto jogavam migalhas de doce aos peixinhos de uma lagoa qualquer. E iam se acertando.

- Casa?- Ele perguntara.

- Sim, com jardim - ela respondia.

- Jardim de flores amarelas. Tá. Cores?

- Violeta.

- Prefiro azul. Hum?! Filhos?

- Hum... sim.

- Ok, 3 meninos e 1 menina, certo!?

- ...

- Férias?

- Pode ser numa cachoeira.

- Ok, Cachoeira do Itapemirim, combinado?

_ ....

E assim, seguiram, ele anotando tudo, acertando os seus sonhos e planos, combinando a cor do vestido, o tamanho do sapato, a escola dos meninos, a festa de bodas de ouro... e ela acompanhava, meio calada, sentindo seus sonhos se perdendo nos sonhos dos dois, suas cores se fundindo nas cores dos dois, sua música abafada pela música dos dois, sua dança disritimada pela dança dos dois...

Sabia que não poderia falar não, afinal, era em nome do amor. Não era? Mas esse, o tal do amor, logo viu a fria em que se metera, pois sabia que não dava pra carregar tudo aquilo sozinho. Se escondeu, ficou quieto, encolhidinho, caladinho, para que não o achassem de breve. Era novinho demais, coitado, nem um ano ainda, nem falava, e já queriam que carregasse aquele peso todo! E sabia que depois ia sobrar pra ele, porque se se atrevesse a segurar aquela cruz ia cair na primeira esquina e todos iam lhe apontar o dedo: “Fraco! Falso! Insuficiente! Pequeno demais!!!”. Ah, não, isso ele não queria. Queria mesmo era crescer livrezinho, que nem menino na roça que pode sair e só voltar quando a chuva aponta na montanha. Sabia que ficaria grande, forte e aí, sim, poderia carregar todo aquele castelo com jardins, salas e quartos, crianças e bichos de estimação. Mas precisava de muito colo ainda, tadinho, precisava conhecer cada pedacinho da terra, conhecer os caminhos daquela estrada, conhecer os desvios, os atalhos, as armadilhas, os esconderijos, os bosques e os rios de águas claras. Precisava de tempo pra isso.

O moço insistia, queria marcar a data, assinar o que fosse preciso, levar a moça prum tal de paraíso que ela ainda olhava de olhos arregalados, morrendo de medo, a bichinha. Ficou acuada. Não queria ir com ele pro precipício, como diziam. Não por medo da queda; mas ele se fizera uma rocha e, se jogando, cairia de uma vez só. Ela queria ir voando, como folha de papel na ventania ou folha de inverno que se solta da árvore no tempo certo. Queria ir flanando pelo espaço, sentindo o carinho do vento, mudando a direção de vez em quando para ver o outro lado, caindo, caindo.... na mesma direção, mas num ritmo diferente, o ritmo que seu coração tocava.

Se caíram ou não, ninguém sabe. O que se ouve dizer é que o amor continuou escondido e talvez se tenha perdido de tanto esperar. Uns dizem que fugiu assustado; outros dizem que dorme em seu refúgio deixando pra voltar mais tarde; há até os que dizem que voltou logo, correu para o colo e ficou lá, acabrunhado, sendo bem alimentado e bem preparado para o peso que lhe reservavam. Dizem... a verdade mesmo ninguém sabe dizer.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Os sapatos e as portas


Vermelhos. Os meus sapatos. Já um tanto gastos de tanto andar com ou sem rumo pelas mais diversas e tortuosas ruas da cidade quente, fervorosa. São bem baixos, sem salto nenhum, para que não me iluda da distância que estou do chão, nem iluda aos outros com um falso tamanho das minhas nem tão longas pernas. Vermelhos, baixos, mas confesso, já foram mais confortáveis. Hoje não são mais. Contrariando a máxima que afirma que os sapatos velhos são os melhores, por terem a forma dos nossos pés neles tão bem moldada... mas esses, bah!... traíram-me. Cansados de tanto me suportar, hoje machucam meus dedos.

Vermelhas. As portas. Também vermelhas de um vermelho sanguinolento, estúpido, como se fossem as únicas portas vermelhas de todo o mundo. São altas, bonitas, talhadas por mãos negras, certamente, já que são muito, muito velhas. Muito mais que os meus sapatos. São de um tempo longe, longe dos meus olhos e até mesmo da minha imaginação- mesmo que posso sonhar e criar em pensamentos a vida de outrora, jamais viverei e serei capaz de bem absorver o que era aquele tempo que nem sei qual é.

E vendo agora, às minhas costas, as portas e os meus sapatos tilintando em meus ouvidos um passado colorido, vibrante como o rubro que me atordoa, só fico a pensar onde se encostam, além da tonalidade, tais portas e meus humildes pisantes ainda na moda? E me veem à lembrança: caminhos. Sim, é isso! São muitas as estradas por onde tenho andando, umas inimagináveis, outras tão esperadas e programadas como os bebês de proveta. E por muitas portas tenho entrado, por outras, saído; em outras tantas me atenho diante da maçaneta, sem coragem de girar e nem de tocar a campainha. Já em algumas vou passando sem nem ser convidada, assim como se entra na casa da vó ou do melhor amigo, simplesmente entrando. Sem rodeios. Mas essas, confesso, são poucas. Nem mesmo em minha própria casa, que de fato não é minha, mas contém só a mim no momento, nem mesmo nessa me atrevo a entrar de surpresa. Giro a chave devagar, abro sem pressa, entro pé- ante- pé; paro diante do corredor e olho. Ninguém. Silêncio. Cheiro de janela fechada. Ok, posso entrar. Vai ver ainda não me acostumei a ser recebida pela solidão tão acolhedora que me deixa adormecer em seus braços. Talvez seja só mesmo medo de ladrão, lagartixa ou outra bobagem qualquer. Ou ainda, porque não gosto de entrar em casa sem tirar os sapatos. Ahá! Então é isso. Deixo-os sempre, perto da porta, para que lá fique a sujeira da rua, a energia dispersante. Mais ainda, pisar descalça me alivia a alma, além de refrescar do calor suado dos sapatos fechados. E deixo que eles se entendam, em seu vermelho, sobre porque entrei se não deveria entrar.

Nem todos os meus sapatos são vermelhos, como não o são todas as portas. Andarei com eles muito pouco, doravante, ainda que queira usá-los mais. Mas são tantas as portas que ainda tenho a atravessar que, creio, eles não suportarão longo destino. E enquanto me distancio, como sugere Quintana “como quem foge de casa”, troco os pares a cada esquina, para que combinem com os tons das portas que surgem adiante. Não que faça muita diferença – poderia entrar sem sapatos, se assim me permitissem. Mas as cores existem, e os vermelhos se fundem. Não resolve. Mas ajuda. Pelo menos espalho cor pelo meu caminho.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Fica uma imagem para o fim de semana quente e solitário. Basta.

Retirada de www.annegeddes.com

Pela vida inteira



Muitas pessoas passam pela nossa vida, a todo o tempo, mas existem algumas que seria bom ter por perto pra sempre. São seres especiais, por motivos diversos, cada um com seu tesouro, que a gente simplesmente quer para o resto da vida. Pessoas que conhecemos pouco, outras que conhecemos tanto que, se fôssemos mais sensatos, seria até melhor mantê-las distantes. Mas exatamente por isso, por conhecer demais, que precisamos que estejam conosco. Dessas, tenho alguns poucos grandes amigos. Não preciso citar nomes, eles sabem quem são. Fazem tão parte da minha história que seria injusto se não estivessem presentes nas coisas que ainda tenho a viver. E “presente” nem sempre quer dizer “perto”. Às vezes quer dizer que nos falaremos ao telefone e contaremos as novidades, ou que nos encontraremos no final do ano para rir juntos das aventuras anuais, nossas e dos nossos outros amigos.

Existem outras pessoas, aquelas que conhecemos pouco, que acabamos de conhecer e que, sabe-se lá porque, gostamos “de graça”. É, de graça, sem fazer força, sem precisar de motivos. Gostamos e pronto. Nem sempre elas ficam sabendo o quanto nos fazem bem, nem sempre temos coragem (ou cara-de-pau) de chegar e falar: “Cara, eu gosto muito de você!”. Não falamos porque logo perguntariam o porquê. E não temos a resposta. Mas fato é que essas pessoas marcam nossa vida, ou pelo menos um momento delas, nem precisa ser um momento tão importante. Algumas passam, vão embora, escapam com o vento do outono soprando as folhas amareladas para longe. Nunca mais as encontramos, nunca mais temos notícias, mas sentimos saudades. E quando pensamos, vem aquele desejo: como queria essa pessoa na minha vida! Seja uma amizade, um amor, um colega de trabalho. Elas fariam diferença.

Nem sei porque pensei nisso hoje. Talvez por ter me encontrado há poucos dias com grandes amigos que estão na minha vida há mais de 10 anos. Talvez por querer encontrar alguns colegas que conheci há pouquíssimo tempo, mas que me deixam tão alegres em sua presença; talvez por estar perdendo pessoas com quem imaginei viver muitos anos; talvez por lembrar das pessoas que perdi sem perceber, que passaram por mim, fizeram um bem danado pra minha alma, mas que hoje nem sei que corte de cabelo usam. Talvez porque penso demais.

Melhor mesmo é se acostumar com o ir e vir, o abrir e fechar de portas que fazem no nosso coração, esses tantos homens e mulheres que nos aparecem todos os dias. Melhor é guardar o bem que cada um nos faz, cuidar para que fiquem, e se não ficarem, saber abrir os braços para dizer adeus aos que partem, e receber com alegria os que chegam. E mais importante: dar o melhor de si, para que todos queiram ter você por perto pela vida inteira.