terça-feira, 26 de novembro de 2013

Desencontro

E foi assim: sem pé nem cabeça, sem começo nem fim. Um mar de distância entre os olhares sem lágrimas, um barco afundado antes do mar alto. Costura sem nó, fita sem laço, laço em desenlaço, desfeito sem dó.
A velha nem pensou duas vezes. A vida é isso, afinal: caminhos, tropeços, recomeços.
A jovem tentou chorar sem sucesso, ensaiou alguma raiva, uma tentativa de dor que não vingou.
A criança, sem nada perceber, tirou a poeira do joelho ralado e correu atrás do passarinho que voava sem rumo. Para o alto. Para longe.
E foi assim: sem palavra, sem língua no mundo que explicasse o não dito, o maldito medo do não.
A velha limpou as janelas. A moça trocou o vestido. A criança dançou sem precisar de música. Dançou, enfim.
E foi assim. E foi sem ter sido. Terminou sem começar. A semente, potência de vida, minguou enterrada nos silêncios das terras não regadas. A beleza, leveza da alma, desbotou escondida nos entulhos de tempos passados. E o afeto, bálsamo sagrado, perdeu mais uma batalha, escorreu pelo canto empurrado pela pressa de tanta liquidez.
A velha não entendeu. A jovem não entendeu. A criança não entendeu.
Ninguém perguntou o porquê. Ninguém falou o porquê.

E foi assim.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Na chuva

Parece que chove a minha vida inteira
Corpo molhado de não mais querer
Escorre água, rua, rio
Fria boca da noite que gela por não dizer

Da chuva, sonoro silêncio
Madrugada e tudo já não há
E me lembra Drummond: Minas não há mais...
Nem Rio, nem Tejo, nem outro lugar

Parece que dorme essa chuva inteira
Derrama gota calada sem rancor
Olhos que se fecham e tudo passa
Amanhã sem sangue, sem letra, sem dor

Chove, menino, chora
E toma o chá de alecrim
Nem pense, nem volte, nem fale
A chuva segue pro mar, enfim