E foi assim: sem pé nem cabeça, sem começo nem fim. Um
mar de distância entre os olhares sem lágrimas, um barco afundado antes do mar
alto. Costura sem nó, fita sem laço, laço em desenlaço, desfeito sem dó.
A velha nem pensou duas vezes. A vida é isso, afinal:
caminhos, tropeços, recomeços.
A jovem tentou chorar sem sucesso, ensaiou alguma
raiva, uma tentativa de dor que não vingou.
A criança, sem nada perceber, tirou a poeira do joelho ralado e correu atrás
do passarinho que voava sem rumo. Para o alto. Para longe.
E foi assim: sem palavra, sem língua no mundo que
explicasse o não dito, o maldito medo do não.
A velha limpou as janelas. A moça trocou o vestido. A
criança dançou sem precisar de música. Dançou, enfim.
E foi assim. E foi sem ter sido. Terminou sem começar.
A semente, potência de vida, minguou enterrada nos silêncios das terras não
regadas. A beleza, leveza da alma, desbotou escondida nos entulhos de tempos
passados. E o afeto, bálsamo sagrado, perdeu mais uma batalha, escorreu pelo
canto empurrado pela pressa de tanta liquidez.
A velha não entendeu. A jovem não entendeu. A criança
não entendeu.
Ninguém perguntou o porquê. Ninguém falou o porquê.
E foi assim.