Então é hora de ir. De vez. Sair daqui e deixar tudo. As
flores estão quase todas mortas e as que restam não resistirão ao sol desse
verão. As folhas caídas já foram levadas pela chuva ou desfazem-se em comida
para a terra quase seca. Hora de fechar os portões desse jardim.
Desde que plantei as primeiras sementes, muito mudou. O tempo
agora parece mais afoito; o sol parece queimar mais; as casas tomaram parte do
terreno antes baldio; há muitas luzes na cidade em volta e muito barulho das máquinas
projetadas para afastar os humanos da vida. O rio secou aqui.
Quando cheguei havia árvores, uns passarinhos que cantavam
pela manhã, umas crianças que corriam entre as plantas. As folhas secas
estalavam cochichos nos meus pés. Costumávamos todos dançar no fim de tarde,
antes do pôr-do-sol. Era uma vida colorida. Eram cores de inocência e frescor.
O tempo correu no meu jardim. Muitas visitas, muitos
encontros felizes, alguns mais rasos, uns bem intensos, umas tristezas
descabidas. Pessoas inesquecíveis, outras fáceis de esquecer. Abraços e beijos,
sorrisos e muitas despedidas. Danças em par, em trios, em grupos, danças em
solidão. Alvoradas eternizadas nas canções da natureza, entardeceres trançados
nos encantos de olhares profundos. Tantas lembranças. Tantas saudades. Tantas
vontades desfeitas, outras rarefeitas. Vontades despertas a cada flor que
crescia.
A chuva caiu, o vento passou, o sol aqueceu, o sereno
acalentou. A lua derramou luz e sonho, as estrelas despertaram esperanças, as
nuvens ensinaram o inconstante, a terra ensinou a ter firmeza, a raiz trouxe a
força, as folhas mostraram o balé da queda livre como quem se entrega à vida
sem resistir ao inevitável. Aprendizados de jardim.
A metáfora que escolhi para este lugar, o jardim imaginário
onde plantei meus sonhos e minhas lágrimas, deixa de ser, em mim, o espaço
sagrado. Não que tenha perdido o sentido. Mas eu me perdi desse lugar. Cresci com
as árvores. Despetalei algumas dúvidas. Enraizei algumas certezas, entre elas a
de que serei eternamente esse caminho em transformação. Serei a estrada que me
leva a outros jardins, a outras casas, outros rios, outros descaminhos. Serei
eu mesma a passagem por onde pretendo chegar ao lar, a casa que, enfim, tento
construir nessa existência. Ela ainda não existe fora dos pensamentos. Mas para
chegar até lá é preciso deixar o jardim. E por isso, só por compreender a
necessidade do movimento, de partir, de sempre devir, é que parto para não
voltar. Esse lugar não é mais meu. Não é de ninguém. Vou e não sei para onde. Mas
estou indo.
Este ano de 2013 veio com a intensidade das marés em lua
cheia. Por dentro e por fora, os movimentos foram incontornáveis. Para mim,
fecha-se um ciclo longo e denso, um ciclo de alguns anos de florescimento. Nada
fácil, mas nem tão difícil. Nada do que me arrependa. Muito para me sentir
feliz, mais a cada dia. Acho que criei este lugar, este jardim, para me sentir
acolhida, já que em terra estranha. O Rio de Janeiro é lindo por fora, mas cria
alguns vazios por dentro... e assim fui me preenchendo, inventando um meio de
não estar tão só. E nessa brincadeira de plantas e flores a vida foi me
oferecendo lírios amigos, rosas solidárias, jasmins companheiros, damas da
noite perfumadas, margaridas divertidas, cravos carinhosos, orquídeas, azaleias,
crisântemos. A vida em flor.
Mas como tudo que floresce um dia morre, despetalou-se meu
tempo. Vai o ano e chega um outro tempo em mim. Hora de renovar as vontades e
as verdades, hora de começar de novo e insistir no caminho do coração, o
caminho do amor. Despeço-me Aqui do meu
Jardim. Com alguma ponta de nostalgia. Mas há mais ímpetos para o presente.
“Não tenho tempo pra guardar recordações...”. Sem malas, sem caixas, sem pesos.
Só histórias. E um desejo imenso de fazer de cada passo um novo começo, uma
nova chance de ser feliz de novo e de novo. Até que encontre um lugar, a casa
que há aqui dentro, A Casa com Jardim.
Deixo, pois, este jardim. Não estou mais aqui. Agora não
estou em lugar nenhum.