sábado, 20 de fevereiro de 2010

Leia-me


Há muitas entrelinhas, no olhar, nos dedos, na carne escura, no abrir e fechar dos lábios quase vermelhos. Há pedidos que são verdadeiras preces e preces que soariam como heresias se ditas em meio tom. Há sorrisos disfarçados no piscar dos olhos arredios e desespero por trás do saracoteio dos ombros graciosos.


Há tanto, tanto a ser dito que seria impossível em duas, três encarnações. Uma eternidade inteira seria pouco, desconfio. E tanto a ser ainda pensado e falado e escondido que deveria dispor-se a gastar mais tempo do que de costume. As palavras nunca me chegam na hora e as vírgulas tremulam na língua, vão e voltam ressabiadas, caindo por vezes no lugar errado e trocando os sentidos. Sentimentos que se espalham por sobre a pele vezes febril, vezes gélida, escorrem pela dimensão do corpo e voltam, atravessando os poros, correndo para o sangue, chegando de novo ao coração. Este se embaraça, finge que não vê, bate como se fosse um tambor qualquer e não parte vital de mim. Escondem-se nele os mais íntimos, lindos e sombrios sentimentos, os mais cruéis e encantadores pensamentos, tudo que ninguém consegue ver.


Inútil tentar ouvir, o som se cala. Meu espelho se quebra e a sorte se lança, como suicida no desfiladeiro, como para-quedista em tarde de sol. Descobri que, se deixo a água entrar nos ouvidos durante o banho e coloco a cabeça debaixo do jato de água gelada, escuto como uma meia surdez, um som abafado, como se os ouvidos da alma estivessem mais abertos. Faço isso, para me ouvir de vez em quando. Escuto. E guardo segredo. Não me peça que os diga, não os direi de forma alguma. Mas eles seguem comigo e escapam em algum olhar. É preciso estar bem perto para ver, atento para compreender. Fora isso, nada mais entrego. Sou isso. Nem esfinge, nem notícia. Só silêncios.

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