quarta-feira, 22 de setembro de 2010

COMO ESQUECER

Era quase fim de semana, fim de tarde já anoitecendo. Andava meio devagar, talvez por causa das sacolas amarelas que carregava encostadas nas pernas, talvez para evitar que os sapatos novos machucassem mais os pés. Estava muito cansada e já contava os passos entre a esquina seguinte e a porta de casa, a porta do banheiro e o pequeno espaço debaixo do chuveiro. Andava assim, meio trôpega, bêbada de tanto pensar nos últimos dias, nem tristes, nem ensolarados; andava pensando em como mudar alguma coisa e deixar que a mudança ocorresse de vez. Foi quando deu de cara com o letreiro num desses outdoors reduzidos que mudam as propagandas a cada minuto. Bem à sua frente, as letras se jogaram, grandes e brancas, saltando do fundo preto: “COMO ESQUECER”. Só isso, em letras garrafais. Nem um ponto final, nem uma exclamação, nenhuma interrogação. Somente as duas simples palavras. Logo pensou em uma pergunta: como se esqueceria? E então pensou no que era preciso esquecer: “como esquecer tudo isso que tenho tentado e que preciso de vez deixar lá atrás, lá onde se fecham os sacos plásticos e lançam-nos nos lixos que poluirão nossas águas? Como descolar os pensamentos dos sentimentos tão presentes que as lembranças deixavam pingar entre as brechas dos dias? Como começar outra história, outro capítulo, outro filme, se a trilha sonora da cena anterior ecoava nos ouvidos surdos da madrugada?”

Atônita, parou frente ao cartaz tentando descobrir o que, afinal de contas, ele estava divulgando. Esperou, esperou, esperou. As letras iam e viam, mas nada de novo aparecia, nenhum telefone para contato, nenhum nome de espetáculo, nenhum endereço de loja. Nada. Por pouco as sacolas não lhe caíram das mãos. Por pouco não desfaleceu e tombou na calçada. Por muito, muito pouco, não se ajoelhou diante do brilho da frase implorando uma resposta qualquer. Por pouco não perdeu os sentidos e a vontade de seguir adiante.

Agora caminhava rapidamente, correndo para a casa onde sabia que estavam suas memórias. Todas as lembranças que aos poucos jogava fora com a mudança dos móveis, as fotos novas na parede, novas músicas no som. Ainda tentou não pensar no letreiro, mas aquilo a perseguiu por alguns dias. “Como esquecer”, pensava consigo. E tentava, inutilmente, achar a pontuação certa que desse sentido – e fim – a tão inquietante questão.

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