sábado, 31 de dezembro de 2011

O céu do ano velho




Ainda na cama via pelo pedaço aberto da janela o branco do céu do dia 31. Nem azul nem cinza, nem sol nem chuva. Como se preparado para o ano novo, o céu também se cobriu de branco, como a multidão que pisoteia as areias de Copacabana.  Nem frio nem quente, um dia sem graça nenhuma, triste até para ser considerado o último. Um número, uma andadinha no ponteiro do relógio e todos fechando os olhos esperando que tudo seja diferente a partir de então.  Acreditamos. É sempre bom acreditar.

Acabar o ano sempre me dá uma sensação de urgência, o sentimento de que deveria ter escrito as metas para o ano que vem, deveria escrever o que foi bom e o que não valeu a pena, deveria preparar um banho de rosas e outras folhas para me energizar, deveria ter comprado roupa nova, deveria , deveria... mas não fiz nada. Acordei como qualquer outro dia, ajudei no preparo do almoço, tomei banho como sempre. De longe, nada mudou. Mas falam tanto, jogam tanto na nossa cara que essa é a chance de mudar, de rever, de refazer, que quando não o fazemos vem a culpa e pronto! Já começo o ano devendo!

Agora vejo este céu imenso sobre as montanhas mineiras, sentindo nas pernas os respingos da chuva forte que cai. No instante em que escrevo não escuto nada além da água que cai pesada, densa, lavando o tempo que se acaba de 2011. Fecho os olhos da alma e coloco na chuva todas as minhas dores sentidas, as palavras engolidas a seco, as mágoas que ainda retumbam no ouvido e no peito. Entrego sem apego as tristezas pequenas que tive e todas as despedidas dolorosas que me obriguei a viver. Aproveito e peço que se lave do mundo a onda de maldade e injustiça que cada vez mais me deixa descrente de que a humanidade seja melhor. Que se lave de nossas vistas a pobreza e a desigualdade. Que se lave de nossos corpos a violência e a obsessão que nos torna mais doentes. Que escorram na água da chuva todas as más intenções que povoam o cotidiano de quem só quer viver bem, e nada mais.

A chuva para agora. Acabo o último parágrafo, talvez o último do ano que deixo escapar.  O céu se acalma, o barulho cessa, o verde reaparece ainda mais verde por trás da cortina de gotas.  Permaneço em silêncio e penso no domingo, o primeiro, amanhã. Não vou escrever minhas metas nem tomar banho de ervas. Quem sabe me vista de branco, porque eu gosto de me vestir assim.  Quem sabe até faça uma lista de desejos e peça aos deuses que os realizem no ano que vem. Dois mil e doze já aponta na esquina, com olhos arregalados, carregando nas costas uma mala enorme cheia de não-sei-o-quê. Que venha trazendo o que é bom. E que traga para o céu o azul brilhante, o azul vivo que nos mostre as cores do que é novo.  Que seja um céu novo, sem chuva, sem sombra. Um céu de possibilidades.

Um comentário:

  1. Nossa Mariano que lindo e inspirado seu último texto de 2011, adorei.
    Também me sinto assim nos fins de ano.
    T+
    Beijos.

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