A lua se enche em frente a nossa
varanda. Parece cheia. Cheia de vontade, cheia de anseios, cheia de
expectativas. Não está cheia de medo, isso ela não conhece. Sai toda noite, nua
e sozinha pela escuridão afora. E ainda brilha. E ninguém lhe toca.
Há coisas estranhas lá fora.
Uma rua vazia.
Um barulho enorme dentro das telas
dos computadores.
Uma falação sem fim de gente
apreensiva, com raiva, com medo, com esperança.
Alguma coisa está mudando e pelo
sacudir das cadeiras, parece que treme o centro da Terra. Mas não. É só uma
multidão saindo de casa.
É só uma multidão gritando
enlouquecida e emocionada, saindo da solidão da desesperança.
Encontramos a nós mesmos. Reconhecemos
que temos planos, sonhos e frustrações em comum. E como é bom não estar no
barco sozinho! Vejo que agora que descobrimos que estamos todos no mesmo barco,
e em alto mar, não dá mais para parar de remar.
O inverno entrou calado.
Nem ousou esfriar nossa pele de
guerra.
O medo anda assustando, tentando se
espalhar pelo ar com fumaça de bombas desvairadas.
Mas essa gente canta. Essa gente
ginga e não pense que gingado é brincadeira. É sabedoria.
Tudo se move, dentro e fora, e é
impossível dormir em paz.
Nem o canto de ninar da mãe.
Nem o chá. Nem o calmante.
Nessas terras não se dorme.
Nessas terras ninguém está bem.
Só a lua permanece serena, bonita,
encantada.
Fica ali, olhando com seu olho
infinito os olhos despertos dos que não dormem, mas sonham.
E que cantiga há de embalar o sono para
voltarmos a dormir?
Quais sonhos levaremos para o dia
de amanhã?
Eu não durmo.
Tu não dormes.
Eles dormiam.
Nós nos acordamos.
Nós os acordamos.
Vós vos acordai.
Ó, Lua, olhai por nós!
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