segunda-feira, 5 de julho de 2010

Anoitecendo

Ver estes olhos tão cedo, tão cheios de olheiras e tristezas, faz pensar que já é um pouco tarde para certas felicidades que ainda não tive. Também faz lembrar da voz dizendo que era preciso bater à porta e deixar aquela criança entrar de novo, ela que está ali quietinha do lado de fora, só esperando uma brecha ou uma mão que a faça escorregar para dentro, trazendo luz e alegrias, com flores e brincadeiras.

- Dar menos importância ao correr do tempo, este que zomba de nossas caras cansadas de sono e solidão... – é o que escapa dos pensamentos e cai junto com a água fria da torneira, indo pelo ralo da pia sem deixar sequer um rastro, uma esperança de que algo irá se concretizar.

Sim, estamos envelhecendo. Mas ainda é começo de tarde, a noite vai demorar a chegar e temos muitas horas para viver enquanto as estrelas não aparecem. Só que o medo da escuridão é tanta que nos vemos antecipando o acender de algumas luzes, como se isso pudesse fazer a noite mais clara, como se fôssemos capazes de nos manter iluminados quando o sol se cansar do azul do céu. - Inútil. Completamente inútil - ela diz com aquela voz suave de quem sabe anoitecer. Melhor é esquecer os relógios, aprender a contar o tempo olhando para o alto e ouvindo o sábio cantar dos passarinhos. Melhor correr na chuva e brincar de pique-pega sem pensar nos ternos desbotados que circulam pela cidade escondendo tesouros. Melhor ainda é esquecer os números que gravam nos nossos papéis e viver sem essa matemática que cansa a alma e julga nossos corações. E ainda melhor seria, esquecer que anoitece. Desfrutar o orvalho da manhã, o dançar do vento ao entardecer, o silêncio do pôr-do-sol... Dar menos importância ao tempo, este que zomba de nossas caras cansadas de sono e solidão....

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