quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Pré-carnaval


Já é carnaval na rua e eu nem acordei direito. Não enxergo direito. Uma névoa abraça meus olhos e não quero pensar em acordar. Parece que foi ontem ou anteontem que pedi um pouco mais de silêncio e minha cabeça ignorou. Fiquei sozinha e quase triste por não saber o que fazer. Mas mesmo assim saí de casa, saia longa, salto alto, rímel, sem batom. Saí pra não ficar em mim, calada. Saí pra ver o povo, as calçadas, os pés andando em pares, quatro pés caminhando lado a lado.

Já é carnaval nos blocos e eu nem terminei o mantra, a oração, o difícil meditar de cada dia. É tanto barulho e tamborim que já nem escuto mais o coração, o sangue correr, o piscar dos cílios, como eu fazia antigamente. Há muito, muito tempo atrás, eu podia sentir o som do piscar dos meus olhos. Era intenso, quase um transe. Hoje não consigo mais. Nem sei por quê.

Já tem samba na avenida e eu nem acabei o texto, nem escrevi uma página, nem respondi aos emails. Tem tanta coisa aqui dentro de casa que parece que a folia começou em mim, caiu da minha janela e se espalhou cidade afora. E eu nem pensei no seu sorriso ainda, nem abracei direito ainda, nem falei do amor que sinto e queria esquecer. Nem pensei com calma na noite de ontem, nem telefonei para quem devia, nem anotei na agenda o recado que tenho que te dar. Que queria ficar de olhos fechados, de perto, até decorar o cheiro do seu pescoço, até aprender a curva da sua orelha, até fixar a imagem que é tácita demais. Que pensei em esperar acabar a festa pra poder respirar mais fundo e calar o suspiro na sua boca. Que amanhã me parece tão longe só porque não é dia de dançar com seus braços segurando meus ombros, suaves, sem pressa de ser.

Já é carnaval e o dia está quente, e eu nem troquei de roupa, nem fiz a fantasia, nem cantei a marchinha do Pierrot. Nem vou fazer nada disso. Nem vou dançar frevo. Nem vou sambar de biquíni. Nem vou bater tambor. Nem vou. Prefiro ficar aqui, ouvindo de longe os batuques dos agogôs; prefiro ficar aqui, desenhando na parede o contorno da saudade, do silêncio e da vontade. Prefiro dormir mais cedo, acordar mais tarde, tomar suco de fruta e me alongar feito gato pelo chão frio e limpo. Já é carnaval mas ainda estou devagar, lenta e lerda querendo me jogar no sofá e ficar com as pernas na parede, cabeça pra baixo, inventando um outro jeito de ver a vida à minha volta. Ficar assim até passar a fome, o juízo e o cansaço. Aí então, tomar banho gelado, pintar os olhos e as unhas de vermelho-paixão, descer escadas e fazer a festa. Nem que seja por um dia, antes das cinzas, nem que seja na minha rua, pertinho, pra poder voltar correndo se eu me assustar.

Já é carnaval lá fora e eu ainda nem descobri você, nem entendi direito, nem te encontrei do jeito que eu gosto. A multidão tem pressa demais, pois já é carnaval. Eu de cá sem pressa nenhuma. Devagar, no contratempo, na contradança, esperando o intervalo que existe entre o seu olhar e o meu beijo. Aguardando o ar que sai da boca e do nariz compassado, denso. Esperando passar o bloco, a banda e o bando de gente pulando sem quê nem pra quê. Já é carnaval na rua e eu nem dormi direito.

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